quarta-feira, 6 de julho de 2011

Tecnologia e Mente: A Expansão dos Limites







Meu corpo é virgem em termos eletrônicos. Não faz parte de mim nenhum chip de silício, nenhuma implantação na retina ou no labirinto, e nenhum marca passo. E nem uso óculos (porém eu uso roupas), mas eu estou lentamente me transformando mais e mais em um ciborgue. E você também. (Andy Clark)



Você já parou para perceber o quanto somos dependentes de certos mecanismos que são externos a nosso aparelho empírico (material) para que possamos realizar um exercício mental mais satisfatório? Será que tal dependência evidencia algo diante de nossa condição humana?

Esses e outros questionamentos, o filósofo citado no início desta matéria se coloca, percebendo que estamos desde o nosso nascimento sendo inseridos em um universo que tende a transformar humanos em Ciborgues. Parece assustadora a ideia, dado que podem imaginar milhões de fios sendo inseridos em nosso organismo para que sejamos fundidos a máquinas com tecnologias avançadas, e assim passaremos a sucumbir diante do Império Tecnológico.

Nada é tão catastrófico quanto parece. Somos todos produtos de recursos e extensões mentais que facilitam nossas atividades e talvez até superem nossas expectativas. Para que possamos nos dar conta do quanto estamos nos fundido com a tecnologia, faça a seguinte pergunta a si mesmo: O que há em mim que me foi incutido pela própria natureza humana? Certamente você irá perceber que é somente seu corpo, seu aparato biológico, orgânico. E todo o resto? Roupas, brincos, celulares, maquiagens, computadores, lentes de contato, óculos, aparelhos dentais... Tudo isso é produto da tecnologia desenvolvida por nossas mentes, tudo isso é resultado de um exercício de gerações em busca de uma extensão fora dos nossos crânios, para além de nossos cérebros, produto da mente, com a qual a própria mente passa a coexistir e necessitar. Mente não é mais somente a atividade de nossos cérebros, mente também é sua calculadora, seu computador, sua caneta, sua linguagem, mente é também o mundo.

Estamos todos caminhando para esse cyber humano, as investigações acerca de nossos aparelhos cognitivos, de nosso cérebro e mente, cada dia mais se tornam consistentes e precisas, estamos nos fundindo com todo o universo alheio a nosso aparelho biológico, superando o dualismo entre o corpo e a mente, percebendo que embora nosso corpo possua mente, a mente não é só corpo, ela é mais que o corpo, ela é o mundo e toda sua matéria.

Não demorará o dia em que nossos corpos estarão metade vivos e metade ligados, respirando e trocando nossas baterias, entrando em um estágio pós-evolutivo, um estágio marcado pela Engenharia, Tecnologia, Informática, Neurociência...

Hipérboles a parte, tal avanço na condição humana embora possa parecer perigoso ou assustar, já o estamos realizando, de forma mais branda, seu ponto mais alto, será a superação do natural, a supremancia de mentes sobre as condições impostas pela natureza, levando nossos corpos para além de sua limitação biológica, proporcionando um ato evolutivo tal qual o animal que em bilhões de anos sofreu adaptações para sobreviver ao ambiente, nós faremos a nossa própria adaptação a qualquer ambiente que possa surgir, nós por ato de nossa vontade e por meio de nossas mentes, não mais ficando a mercê das contingências da natureza.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Liberdade de Expressão e Dignidade Humana



“A Dignidade Humana deve ser o limite do uso da Liberdade de Expressão”

(Jean Wyllys)

Estamos presenciando debates intermináveis sobre liberdade de expressão e direitos a minorias, onde diversos argumentos são expostos, tanto de um lado como de outro, de forma extrema em certas circunstâncias. O que de fato podemos fazer para compreender essa discussão e não sermos ludibriados por palavras travestidas de ideais de poder e expansão de popularidade?

Ironicamente, os movimentos LGBT e a movimento religioso, em especial cristão utilizam-se do mesmo artigo de nossa Constituição para validar suas premissas e conclusão: o Artigo 5° que diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Aqui vale ressaltar que todos concordam com o enunciado geral, nos incisos é que se diferencia o processo de interpretação do Artigo. O movimento religioso contra o projeto de lei que visa criminalizar homofobia utiliza-se basicamente dos seguintes incisos para dizer que tal lei, se aprovada, será inconstitucional:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;


A argumentação que surge através de uma interpretação dos incisos citados, por movimentos contra o projeto de Lei (PL122/06), é de que aprovando uma lei que criminaliza a expressão dos movimentos religiosos ou não sobre sua perspectiva acerca da homossexualidade significa vetar o direito garantido pela constituição de nosso país de poder expressar sua posição sobre determinado tema.

A argumentação, de certa forma confusa, tem como fundamento a prática homossexual e não propriamente o homossexual, isto é, segundo os representantes deste movimento, não há nada contra os indivíduos, mas sim contra a prática deles. Não há problema em ser homossexual, desde que não pratique a homossexualidade, ou seja, um homossexual não praticante.

Por outro lado, o movimento que defende a PL122/06, em especial o movimento LGBT, utiliza-se dos seguintes incisos para validar sua perspectiva:

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Baseados nos incisos, a argumentação defende que “pregar” contra os homossexuais é submetê-los a um tratamento degradante, até desumano. Isso é violar a imagem e honra das pessoas, menosprezar e tratar de forma vexatória é uma forma cruel de atingir o indivíduo e a lei não deve permitir isso.

Diante desse cenário, onde muitas vezes os extremos são o maior campo de destaque, em especial na mídia, não podemos perceber uma argumentação mais concisa, mais sólida, dado que o que mais tem destaque é uma discussão com trocas de ofensas, sem sentido e confusa.

Mas por um brilhantismo, a contra gosto de toda a expectativa negativa que se tem sobre “famosos” que exercerem cargo público, ouvindo em uma emissora de destaque, pude garimpar na fala do Deputado Federal Jean Wyllys, uma frase brilhante, que chama atenção a algo que até agora, ao menos no ritmo que estou acompanhando, foi inédito, uma referência a dignidade humana, frase que me motivou a escrever sobre tal situação.

Se tomarmos a liberdade de expressão em um conceito puro e simples daquilo que ela representa, todo e qualquer tipo de preconceito poderia ser expresso, estando essa expressão protegida e amparada pela lei, no mesmo artigo já citado (Art. 5º da Constituição Federal). Mas sabemos que tal atitude é repugnada, dado que a tentativa de uma lei é minimizar as intempéries da vida em sociedade e tal atitude só acarretaria em mais caos social. Desta forma, devemos rever o que caracteriza essa liberdade e até que ponto podemos estar amparados pela lei enquanto expressamos nossas perspectivas sobre o mundo?

E ao ouvir a frase já citada, do Deputado, pude considerar que a mesma Constituição que se utiliza atualmente para validar argumentos confessionais em uma sociedade que é laica, serve para demonstrar qual o limite dessa liberdade de expressão:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

O Artigo 1º de nossa constituição demonstra que vivemos em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamento, entre outros, a dignidade humana. Creio, em uma interpretação livre, que mesmo que de forma indireta esse é o limite da liberdade de expressão: Não violar os fundamentos de nosso Estado Democrático e entre eles a dignidade da pessoa humana.

Não seria violar a dignidade da pessoa humana, degradar sua condição natural de vida, julgar aberração em quem ela deposita sua afetividade?

Tomemos um conceito simples de dignidade, referindo-se a honra, decência e respeito a si próprio. Admitindo essa definição, mesmo que simplificada ao máximo, podemos dizer que é possível alguém ter dignidade diante de uma degradação de seu eu, de sua identidade, de seus sentimentos?

Creio que se deve lembrar antes de qualquer dogma religioso ou capricho pessoal, que o que está em jogo são pessoas, seres humanos, que merecem o mesmo respeito que todos desejam para si. Temos o direito de não gostar de algo, não concordar com algo e até mesmo protestar contra, desde que nossa liberdade de expressão não agrida a dignidade de qualquer individuo.

Liberdade de expressão não significa poder falar tudo, significa emitir criticas até o ponto anterior a agressão da dignidade humana. Emitir juízos é um direito garantido desde que não esteja atingindo aquilo que é mais valioso em cada individuo, sua dignidade. E para isso, basta que tenhamos em mente uma ideia de um filosofo alemão chamado Immanuel Kant, o Imperativo Categórico, que sugere: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”.


Disponível também em: Revista Acesso Total